EXPOSIÇÃO / passada
Tarsila: Estudos e Anotações
Com curadoria de Aracy Amaral e Regina Teixeira de Barros, exposição reúne 203 obras que estavam guardadas por mais de quatro décadas da vista do público
Tarsila do Amaral (1886-1973) tinha o hábito de carregar consigo cadernos de anotações para desenhar. Com o lápis sobre um pedaço de papel, eternizava em desenhos as paisagens por quais passava. Os esboços e estudos ajudavam na formação de seu pensamento artístico e, por vezes, serviam de base para sua obra pictórica, vertente mais conhecida e pela qual é aclamada. Um conjunto raro composto por 203 destes desenhos será exibido na mostra Estudos e Anotações, em cartaz a partir de 14 de novembro de 2020, na Fábrica de Arte Marcos Amaro – FAMA Museu, instituição sediada em Itu, cidade vizinha de Capivari, onde nasceu a artista.
Longe da vista do público há mais de cinco décadas, engavetados em uma coleção privada, os desenhos foram exibidos uma única vez, em 1969, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, em exposição organizada pela crítica e historiadora de arte Aracy Amaral, que agora assina a curadoria da atual mostra ao lado da pesquisadora Regina Teixeira de Barros.
Ao chegarem ao acervo da FAMA, com danos ocasionados pelo tempo e pela falta de cuidados museológicos, as obras foram submetidas a um minucioso processo de restauração. “Essa coleção, praticamente desconhecida, tem um valor inestimável para memória da cultura brasileira e vem contribuir, de forma efetiva e criteriosa, como ferramenta pedagógica da instituição para a formação de crianças e jovens estudantes que serão, no futuro próximo, o público de arte”, diz Ricardo Resende, curador do museu.
Produzidas entre 1910 e 1940, as obras registram as várias fases da artista e apresenta temas recorrentes em sua linguagem, como as vistas de viagens que ela fez pelo Brasil afora, desde as bucólicas cidades históricas mineiras, até suas andanças pela Europa e passagem pelo deserto do Egito. “O conjunto nos comunica não só as diversas etapas do trabalho de Tarsila, mas também as inúmeras atividades às quais estão relacionados seus desenhos: estudos, academias, esboços de futuras obras, paisagens urbanas ou rurais, registros de viagens, projetos de figurinos para balé, esboços de ilustrações para livros, cenas interioranas pós-década de 1940”, explica Aracy Amaral.
São trabalhos feitos com o exímio e rigor que a artista absorveu das aulas com Pedro Alexandrino (1856-1952), pintor acadêmico, formado no esmero da escola francesa, que considerava o desenho a base fundamental da boa pintura. Foi com ele, inclusive, que Tarsila adquiriu o hábito de carregar cadernos de anotações e a preservar o traço das pinturas por meio do decalque. “O costume de levar consigo cadernos de bolso coincidia com as recomendações das academias, que sugeriam que os aprendizes tivessem sempre um deles à mão para anotar, de forma ligeira e sintética, as cenas e os objetos que chamassem atenção”, conta Regina Teixeira de Barros.
Após a iniciação sistemática em São Paulo com Alexandrino, Tarsila vai a Paris, onde residiu de 1920 a 1922. Na capital francesa, ela estudou na renomada Académie Julian, na qual deu continuidade aos estudos de cunho acadêmico e, depois, com a pintora Emile Renard, com estudos mais soltos e vigorosos.
“Um intervalo se faz aí, embora tenha tido, ainda em 1922, uma primeira presença no Salon des Artistes Français em Paris. Voltando a São Paulo nesse efervescente ano de 1922, e nesse período, conhece modernistas que já se reuniam para discussões sobre arte”, relata Aracy Amaral.
Tarsila, que já conhecia Anita Malfatti, é apresentada aos artistas, escritores e intelectuais que haviam participado da Semana de Arte Moderna, como Mário de Andrade (1893-1945), Menotti Del Picchia (1892-1988) e Oswald de Andrade (1890-1954). O contato com os jovens modernistas impulsiona a artista a buscar novos horizontes para sua obra e, ao regressar a Paris, entre 1922 e 1923, a fim de ampliar e modernizar seu repertório plástico, ela procura orientação de mestres cubistas como André Lhote (1885-1962), Albert Gleizes (1881-1953) e Fernand Léger (1881-1955).
Com Lhote, Tarsila continuou a exercitar o desenho de nus, mas desta vez geometrizando o contorno das figuras. Com Gleizes, troca o corpo humano por formas retangulares e desenvolve uma série de composições que, segundo Aracy Amaral, constituíram uma ginástica de depuração, equilíbrio, construção e simplificação.
De Léger, ela absorve a teoria dos contrastes plásticos, que consistia no agrupamento de valores contrários, como superfícies planas opostas a superfícies modeladas, personagens em volumes opostas às fachadas planas das casas, fumaças em volumes modelados opostas a superfícies arquitetônicas vivas, tons puros planos opostos a tons cinzas modelados ou inversamente. Na exposição, figuram alguns destes estudos e esboços, a exemplo de Mulher de máscara (1925), Saci e três estudos de bichos (1925), e Beatriz lendo IV (1945).